Técnico em eletrônica ganha bem? Uma visão realista.

Eis uma pergunta para a qual eu, que já estou meia década na área, não consigo responder diretamente. Em que ramo? Quais são suas metas? O que você sabe fazer?
A área da eletrônica já arrefeceu muito para quem quis simplesmente aprender a consertar coisas. A habilidade de fault-finding é uma das que considero mais importante, mas o avanço da tecnologia tornou isto praticamente irrelevante. Tudo hoje é feito de maneira modular, em especial nos equipamentos eletrônicos de consumo. Isso se reflete de forma especialmente sensível nos salários das pessoas que trabalham com isso, pois, diferentemente dos anúncios espalhafatosos das instituições que oferecem esses cursos, os ganhos iniciais são medíocres, normalmente Salário mínimo ou pouco mais que isso, para dias de 9 horas e mais o sábado pela manhã ou inteiro. 

O grande foco agora são nos técnicos "full stack", profissionais multidisciplinares com profundo conhecimento de eletrônica mas também capazes de exercer funções que vão desde contabilidade até marketing e psicologia(risos). Brincadeiras à parte, são aqueles capazes de projetar um produto por inteiro, que atenda as exigências técnicas dos clientes, funcione perfeitamente e possa ser comercializado o mais rápido possível. A razão óbvia para isso é evitar a contratação de um engenheiro, que embora possa executar as mesmas funções com muito mais segurança e propriedade, custará mais caro.

Mas até que ponto o mercado foi depreciado? 

Bem, se você tem apenas o curso técnico e está começando, caso não tenha tido a competência de estagiar em uma grande empresa e ser efetivado, o mais provável é que você vai trabalhar consertando porteiros eletrônicos e equipamentos de telefonia. Os ganhos mensais nessas funções CERTAMENTE não vão superar os 1200 reais por mês, mas você terá uma boa chance de aprimorar suas habilidades em entender como circuitos operam no mundo real e aprender alguns métodos para localizar e corrigir defeitos. Esta etapa deve ser a mais curta possível, pois 1200 reais é um salário menor do que o de um zelador, e você definitivamente merece ganhar mais pelo seu grau de estudo e pelos conhecimentos avançados que adquiriu. 

É interessante nesta fase tentar investir em cursos complementares, como NR-10 por exemplo, e cursos rápidos. Alguns você pode até conseguir de graça, e os demais são normalmente baratos ou podem ser parcelados em várias vezes. Lembre-se, você está ganhando 1200 por mês, e caso more sozinho, baseado no preço médio do aluguel de uma peça com banheiro(400 reais), dez reais podem fazer uma grande diferença. 

Tente constantemente mudar de emprego, lembre-se, você ainda está ganhando 1200 reais e gastando um terço só com moradia. Tentar pular para uma vaga de 2 mil reais pode ser estúpido, mas deve ser tentado. Não se importe em pedir para faltar caso você marque uma entrevista, se necessário, INVENTE uma razão, pois se você ganha isso, é um funcionário descartável e uma despesa a ser minimizada. Também não force o futuro contratante a seguir o seu horário, seja 100% aberto.

Uma vaga que pague 1500 reais líquidos já é um bom passo, e aí talvez você consiga investir em tirar uma carteira de habilitação. Apesar da completa falta de relação com o seu campo, trata-se no Brasil de um ativo poderoso. O processo de tirar uma carteira de habilitação é muito longo e caro e pode acabar sendo feito em horários inconvenientes, obrigando você a sair mais cedo ou chegar mais tarde. 

Algumas empresas tem culturas muito rígidas com relação a horários de trabalho, outras, raras, são mais flexíveis e incentivam seus colaboradores a se qualificarem o máximo possível e, consequentemente, agregarem valor à corporação. Trata-se de uma cultura bizarra, resultante normalmente de puxa-saquismo crônico e de tentativas de provar o valor através do tempo dedicado à empresa, invés de focar-se em uma produção eficiente e dentro do tempo para evitar gastos desnecessários. Um local assim pode lhe prejudicar enormemente, pois o deixará engessado e sem motivação. Além disso, um sistema em que se exige qualidade e rapidez mas onde as pessoas não se sentem valorizadas, jamais será eficiente. 

Decore isto:  ficar até as 10 da noite na empresa para fazer uma tarefa que cabe no seu horário normal é ESTUPIDEZ, e não DEDICAÇÃO. 

Depois de fazer vários cursinhos, ou tirar a sorte grande e conseguir um bom emprego, você poderá chegar a ganhar 2 mil reais ou até mais. Dá para dizer que na eletrônica, 2 mil reais é um salário que representa uma espécie de rito de passagem, e que lhe trará mais perspectivas de ser de fato independente e não um escravo assalariado como no começo.


As alternativas

-Procure emprego em prestadoras de serviços para hospitais. Geralmente os orçamentos envolvidos são grandes e os salários constumam ser o dobro do valor pago pela indústria. Se você possui carteira de motorista, poderá viajar até os clientes e assim sair da rotina. Em contrapartida, poderá ter que fazer plantões.
-Faça concurso público se achar que pode passar. Salários equivalem ao dobro, triplo ou mais pago pela mesma função no setor privado, mas exigem estudo comprometido por vários meses ou até anos.
-Se tiver bastante habilidade, equipamentos e persistência, arrisque como MEI. Comece por coisas simples como terceirização de montagem de quadros de comando elétricos, exigem alguma habilidade mas baixo investimento em ferramental. 
-Procure por empregos inicialmente em empresas pequenas e médias, gastar muita energia para entrar em uma multinacional pode ser furada, já que os salários podem ser baixos e as exigências, incompatíveis.
-Procure por empregos em empresas de automação industrial. CLP's e módulos de expansão são equipamentos robustos e normalmente fáceis de consertar ou substituir. A área é muito boa de trabalhar e normalmente não exige grandes habilidades fora do padrão de qualquer técnico.

Conclusão

Bem, a era de ouro da eletrônica está findada, e pelo que vejo, não vai demorar muito para nós sermos forçados a trabalhar em sweatshops de eletrônica como os chineses fazem. Entretanto, com o fortalecimento da indústria 4.0 e maior acessibilidade à automação, a demanda por pessoas capazes de operar, montar, projetar, consertar e configurar equipamentos eletrônicos vai só subir, o que pode, eventualmente, ter um bom resultado para nós, pois isso vai reservar os sweatshops apenas para os preguiçosos, ou até melhorar as condições de remuneração dos mesmos, visando uma maior atratividade de mão de obra qualificada. 

Eletrônica não tem futuro, ela será o futuro.